Por Dom Orani João Tempesta
A vingança e a violência, diante de alguns fatos, têm sido uma tônica constante nas várias situações hodiernas. Estamos muitas vezes construindo uma sociedade sem misericórdia, sem perdão. É verdade que muitas pessoas estão se cansando de ver a impunidade, a corrupção, a maldade dominar as situações da sociedade. Necessitamos de um equilíbrio muito importante nestes tempos de crise. Ao lado da eficiente organização social, precisamos ver quais são os nossos sentimentos profundos com relação a essas situações. Existe a necessiade de um Estado organizado e eficiente e, ao mesmo tempo, de pessoas que tudo fazem com amor e não com ódio. Quais são as nossas atitudes mais profundas diante desses fatos? Agimos com rancor e ódio ou procurando “salvar”? É um tema muito interessante e importante.
É muito difícil perdoar? Pedro pediu a Jesus para esclarecer sobre quantas vezes devemos perdoar o irmão que pecou contra ele. Jesus responde que devemos perdoar setenta vezes sete, ou seja, sempre. Estamos aqui, no coração da nossa fé, diante desta passagem do Evangelho proposto para o XXIV domingo do Tempo Comum (Mt 18,21-35); somos chamados a confrontar o nosso crescimento na vida cristã. Jesus, com uma história simples, como uma parábola, nos faz perceber qual é a fonte do perdão e como somos chamados a viver nas nossas relações. Não somos a fonte de perdão. Às vezes achamos difícil perdoar porque estamos um pouco longe do Pai misericordioso, seja pelo nosso pouco tempo para a oração, pela nossa pouca participação na dupla mesa da Palavra e da Eucaristia aos domingos e, especialmente, pela esporádica ou simplista aproximação do sacramento da reconciliação. Se hoje podemos compreender a beleza do perdão, vamos redescobrir também a beleza da confissão, da confissão auricular, ou popularmente chamada de confissão individual. (A confissão comunitária é uma exceção, sempre com a expressa autorização do Bispo Diocesano).
A parábola aponta que no dia do acerto de contas, o servo reconhece sua dívida para com seu mestre e pede apenas para ser paciente, dar-lhe um pouco mais de tempo….. para pagar a conta! A piedade do Senhor é evidente e Ele cancela toda a dívida, revelando com isso um amor não somente paciente, mas da sua própria infinita misericórdia. Aqui devemos fazer uma pausa e refletir. Esse servo pode reconhecer no cancelamento de sua dívida algo que vai além de uma simples anistia? Será que ele pensa que foi uma anistia concedida em virtude de seus méritos? Cabe aqui uma reflexão séria para nós: sabemos como reconhecer os nossos pecados?
O servo perdoado é incapaz, por sua vez, de perdoar a dívida dos outros. Por que será que acontece isso? A indignação que a história inspira fez com que outros denunciassem ao mestre o que havia ocorrido; é a mesma indignação que muitos de nós sentimos ouvindo essa parábola. Ele nos revela que seremos sempre incapazes de perdoar se não sabemos reconhecer e acolher o amor de Deus, que sempre perdoa. O servo, mais do que ser ingrato para com o próximo, foi ingrato com o seu patrão, que lhe foi tão generoso.
Aqui, a parábola revela outra verdade: aqueles que não podem reconhecer e acolher o amor de Deus no perdão, não só não são capazes de dar aos outros, mas também revelam a sua incapacidade de amar a si mesmos. O primeiro servo, perdoado, não descobriu que a sua "salvação" passaria, necessariamente, pela "salvação" que ele poderia dar a seu vizinho. Como o amor de Deus se concretiza no próximo, assim a recepção do perdão de Deus é expressa também em ser capaz de perdoar aos outros! Não é verdade que amando e perdoando o outro estou amando o outro como a mim mesmo e, mais ainda, procurando amar como Cristo amou? Recordamos aqui com muita clareza o “Ama o Senhor Deus com toda a tua força e ao próximo como a ti mesmo e amem-se como Jesus nos amou”.
Para concluir, o Evangelho deste XXIV domingo do Tempo Comum nos faz entender que perdoar é dom do Senhor e se torna difícil se nós nos fecharmos ao amor misericordioso de Deus. Em comunhão com Ele, tudo é possível!
Para nós, cristãos, este é um dever primeiro, já que fomos sujeitos de perdão e misericórdia infinitas da parte de Deus. Fomos libertados da escravidão do pecado e resgatados por Cristo, a preço de sangue. Temos, agora, a certeza de que o mais belo presente que nos é dado a conhecer no Deus Todo-Poderoso e Senhor é a sua misericórdia. "Você é minha misericórdia", diz o salmista. Davi, após o seu pecado, torna-se humilde e arrependido, pedindo a Deus para ser liberado de sua condição e ser purificado de seu pecado. O mesmo Pedro, depois da sua tripla negação, depois das suas lágrimas de arrependimento, vai experimentar a alegria do perdão e ver renovada a investidura como chefe da Igreja.
Examinemo-nos se trazemos em nossas vidas as consequências da misericórdia e do perdão. Uma vez perdoados, somos chamados a semear misericórdia e perdão ao nosso redor. Evidentemente que isso não se confunde com impunidade de quem cometeu delitos e que deve responder por eles, mas sim o clima que deve reinar nos corações, famílias e sociedade.
Em Cristo, temos, agora, evidência de que a misericórdia e o perdão de Deus não têm limites. Nós seremos realmente possuidores de maldade inimaginável se depois de termos desfrutado tantas vezes do perdão completo e gratuito de nossas muitas dívidas negarmos ao nosso próximo o mesmo dom, com a mesma gratidão e generosidade. Devemos, portanto, ao experimentarmos do Senhor o perdão dos nossos pecados, consequentemente, oferecer ao nosso próximo também o perdão. Isso significa que, com o perdão, nós recuperamos não só a graça e benevolência divina, mas também a plena harmonia e paz com nossos irmãos. Se achamos que é difícil perdoar, deixemo-nos guiar por Pedro, quando ele pediu para Jesus ensinar como fazer isso. Trilhemos esta estrada de perdoar sempre, setenta vezes sete, não só da boca para fora, mas de coração, sem nenhum ressentimento e caminhando juntos, porque reconciliados em Cristo somos novas criaturas! Tente e verá a sua vida modificada, perdoando e amando!
Dom Orani João Tempesta é arcebispo do Rio de Janeiro
10/09/2011
Fonte: CNBB