Para poder explicar melhor o porquê da diferença entre as Bíblias católica e protestante é preciso voltar um pouco atrás na história. Por favor, nos acompanhe neste interessante percurso.
No século s. V, o povo judeu voltou da Babilônia para sua terra depois de um grande período de devastação, chamado de exílio. Desde então eles organizaram-se como nação. Estruturaram leis, políticas e, sobretudo, o culto. Ali começou um grande movimento de fixar em texto muitas tradições vindas de anos atrás.
Mas este tempo de calma e organização não durou muito, e no séc. VI a.C. se viram invadidos pelos gregos. Nova cultura e nova língua. Alguns anos depois deste domínio, as comunidades judias foram perdendo força na transmissão das tradições que haviam nos livros de culto, porque eles não utilizavam mais esta língua materna. A língua agora era o grego e foi necessário fazer uma tradução dos textos usados no culto (pentateuco, profetas, livros históricos, alguns sapienciais), para esta nova língua, de modo que se garantisse a transmissão da cultura.
De tal momento em diante, havia alguns textos escritos e usados em hebraico, mas muitas cópias foram feitas a partir desta nova tradução grega (ela vai receber o nome de tradução dos Setenta, ou simplesmente LXX). Isto duraria até a conquista dos romanos e o nascimento de Jesus.
Uma lista oficial dos livros
Com o surgimento do cristianismo, os judeus, especialmente da seita farisaica, se viram na necessidade de estabelecer uma “lista oficial” (cânon) dos livros de culto. Isto aconteceu em Jâmnia, ao redor do final do s. I d.C. Ali determinaram que só entrariam no cânon aqueles livros que tivessem sido escritos em hebraico. Isto para evitar que os judeus lessem os escritos que falavam da vida de Jesus. Por causa disso ficaram fora: o livro de Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, Baruc, alguns trechos de Ester e do profeta Daniel.
Agora respondendo propriamente a pergunta: Os protestantes durante o tempo viveram o que eles chamam de Reforma, e abandonaram o catolicismo como instituição. Isto levou a uma série de questões teológicas doutrinais e pastorais que terminaram com a excomunhão de Lutero e a separação de várias Igrejas. Fato que mudaria a história da Europa naquele período.
A partir da fundação de uma nova Igreja, surgiu a tentativa de voltar ao que se tinha de mais original, segundo eles: as Sagradas Escrituras. Por isso a frase sola scriptura, na qual eles basearam todas as suas reflexões e vivências. Tudo o que conduzisse a viver segundo as Escrituras literalmente falando, seria o ponto de partida. Muitas das posturas e doutrinas da Igreja Católica naquele período, segundo os protestantes, não tinham uma base escriturística, mas seriam só pensamentos e leis humanas. Escolheram, pois, o cânon determinado pelos judeus em Jâmnia e viram estar certo e ser o mais original, como se o fato de aceitar os que estavam escritos em língua grega, fosse um lineamento meramente humano e não um fato conduzido também pelo Espírito Santo, e por conseguinte, igualmente válido.
Qual a questão de fundo? Que certamente viver segundo o padrão das Sagradas Escrituras é algo que todo cristão deve fazer. Porém, o próprio compêndio do cânon, tanto judeu, como cristão, é baseado na Inspiração do Espírito Santo, mas também em experiências humanas, em determinações humanas, em leis humanas, em normas estabelecida pelos homens. Eram as comunidades cristãs e judias, no uso cultual dos textos, quem determinavam que texto era inspirado e que texto não.
De fato, não havia uma clareza absoluta a esse respeito, como se falou anteriormente. Em algumas comunidades judias se aceitavam tranquilamente os textos que, séculos depois, seriam rejeitados em Jâmnia. Igualmente com as comunidades cristãs. Tanto é assim que há textos que durante muito tempo foram considerados como inspirados e depois não entraram no cânon — como o caso do “Pastor de Hermas” — e outros que só foram aceitos muitos anos depois – como o caso do Apocalipse, que não está registrado no Codex Vaticanus.
Fonte: Shalom