Formação

Quando o silêncio é comunicação

Reflexões de Frei Patricio Sciadini

ROMA, terça-feira, 17 de julho de 2012(ZENIT.org) –  Apresentamos uma reflexão intitulada – O silêncio – escrita por Frei Patrício Sciadini, ocd, religioso, Carmelita Descalço; escreveu mais de 60 livros, publicados no Brasil e no exterior e atualmente é o delegado geral no Egito.

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Hoje assistimos a um silêncio que oprime  e que deve ser rompido com a coragem profética para que a cadeia das injustiças institucionalizadas  não continue a silenciar milhões de pessoas que gritam no deserto.

Este silêncio de morte que  vemos por ai  desde o silêncio do medo que a máfia de todas as matizes  espalham ao seu redor e o “não sei não vi,  não escutei”, ao silêncio dos trabalhadores que diante de salários injustos não podem reclamar  pelo medo de ficar sem trabalho e ter uma vida  pior. Do silêncio  das crianças abortadas que não podem nem gritar e nem defender-se ao silêncio dos presos e torturados  que  devem calar  para que outros não sofram injustamente. Estes silêncios  invadem  os meios de comunicação que, a serviço de poderosos,  falsificam a verdade   e se colocam do lado do poder para ter cada vez mais  um posto mais alto.

Há o silêncio do diabo que está ao lado dos justos e dos santos  e com sua presença silenciosa  invade o temor  e insegurança,  gerando o medo coletivo. Não é este o silêncio que deve ser mantido. Este silêncio deve ser rompido para que a voz da verdade possa  ser ouvida em todos os lados e que nasça  no coração das pessoas o silêncio da esperança que está para nascer. O silêncio é útero da sabedoria a verdade. É no mais profundo de si mesmo que o ser humano necessita descer  não para escutar  a si mesmo, as suas lamúrias e fracassos ou sonhos  idealizados, mas sim para escutar a voz  de Deus que o chama a assumir  corajosamente a sua identidade de pessoa de cristão  sem ter medo de nada e de ninguém.

O Papa, na sua catequese sobre o silêncio,  nos recorda  citando Santo Agostinho, “que na medida que o Verbo crescer,  a palavra do homem diminui”. Aliás diante de Cristo  verdade caminho e vida  somente  tem espaço para o silêncio. O caminho  que deve ser percorrido é fugir  do “barulho”, seja qual for,  quer seja visivo  com as imagens que  as TV, internet e outros meios  jogam com  abundância  dentro de nós e que nos impedem de refletir, de avaliar, não nos dão o tempo de  avaliar os fatos porque quando você começa a pensar é outra imagem que vem e leva longe a primeira. O barulho auditivo que  nos persegue   todos os dias  e sentimos que sempre mais é necessário  gritar mais forte  para que  possa ouvir o barulho distante do outro, mas não escutá-lo.

É um burburinho que chega até nós, sons convulsivos,  mas não inteligíveis. São  músicas, são palavras que  impedem o ser humano de  saber  “escutar-se e escutar aos demais”; recuperar o silêncio exterior é fundamental. Criar pelo menos uma vez por semana  um “oásis de silêncio exterior”, onde possamos permanecer “a sós” duas ou três  horas  para ouvir a doce brisa  que chega até nós e na qual o Deus da vida está escondido( 1 Rs 19, 12) Quando o silêncio é fuga  se torna não comunicação,  nervosismo, mal estar  e espalha ao seu redor  um clima de desconfiança e de tristeza.

Quando o silêncio é comunicação é como o perfume que  faz sentir sua presença   embora não seja palpável. É neste silêncio  que devemos entrar novamente  para  compreender o que diz o místico João da Cruz  “Uma palavra falou o Pai, que foi seu Filho, e a fala sempre em eterno silêncio e, em silêncio, há de ser ouvida pela alma.” Os místicos não são pessoas anti-sociais, mas  exemplos de comunicação. Cada palavra que eles pronunciam é palavra de vida, de esperança, de alegria e de amor. E quando a palavra “é como  espada a dois gumes que penetra até o miolo dos ossos” é para que  seja operadora de conversão e de salvação. Somente  quando o ser humano redescobrir  a necessidade do silêncio para se medir consigo,  com os outros  e com Deus, saberá  que a força do testemunho não é palavra, mas o silêncio, o doce silêncio. Dando  a palavra ainda a João da Cruz:

A noite sossegada,

Quase aos levantes do raiar da aurora;

 A música calada,

A solidão sonora,

A ceia que recreia e que enamora.(C 15)

É o momento de  praticar o que Jesus nos ensina se queremos rezar, falar com Deus  e escutar  seu Filho bem amado: “desce em você, fecha a porta e fala ao Pai.” (Mt 6)

 

Fonte: Zenit